Antônio Xerxenesky

Antônio Xerxenesky

Futuro do pretérito

“Os anos 1980 são os anos do futuro; a música pop é artificial e os instrumentos são circuitos eletrônicos que geram sons a partir de modulações de ondas triangulares. Cresci imerso nesse futuro, vestindo um par de óculos estilo Aviator 3x maior que o meu rosto, sequestrado do meu pai, sonhando em 8-bits com o Nintendo dos meus irmãos. Um imaginário que não se passava no Brasil da hiperinflação, mas no universo colorido e digital de Tron. O ideal de masculinidade: blazer branco e ombreiras, caminhando sozinho à noite pela metrópole, vendo seu reflexo na poça da rua iluminada pelo letreiro neon. Sim, ‘Miami Vice’. Como se desfazer disso? Levando a obsessão até os limites. Fui e voltei, paguei minhas dívidas, sobrevivi. Agora tenho um filho para criar em um país em ruínas, cuja única relação com a década de 1980 é inflação descontrolada e militares em cargo de chefia. Quero mostrar a ele o avesso do mundo neon; tudo o que foi deixado de lado cultuando o bezerro de ouro da tecnologia; e que dessa masculinidade persistam apenas os óculos Aviator — como referência de moda, mas nunca como um estilo de vida. Se Bifo está certo e o futuro foi cancelado, precisamos inventar um novo. Meu filho vive, o mundo continua, logo eu e toda minha geração estaremos debaixo da terra, dinossauros de neon que somos.”

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Quais eram as suas expectativas para o futuro quando era criança? E hoje? Como parte da Temporada no Futuro, a cada semana compartilhamos as lembranças e os anseios de convidados.

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Antônio Xerxenesky é escritor, tradutor e doutor em Teoria Literária pela USP. É autor de “Areia nos dentes” (2010), “A página assombrada por fantasmas” (2011), “F” (2014) e “As perguntas” (2017). Sua obra foi traduzida em francês, espanhol, italiano e árabe, e em 2012 foi eleito um dos vinte melhores jovens autores brasileiros pela revista britânica Granta. Seu novo romance, “Uma tristeza infinita”, chega às livrarias em setembro.


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