A máquina do ódio

A máquina do ódio

Patricia Campos Mello

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Misoginia no cerceamento à imprensa

Com a ascensão de líderes populistas exímios na manipulação de narrativas, campanhas de linchamento virtual vêm se intensificando, no Brasil e no mundo, muitas vezes estimuladas por seus gabinetes. O resultado disso pode ser visto em gestos de cerceamento à imprensa, em claro esforço para colocar em descrédito jornalistas, sobretudo as mulheres. Foi o que aconteceu com Patrícia Campos Mello, jornalista da “Folha de S.Paulo”, que teve a vida transformada em um inferno durante a campanha eleitoral de 2018. Como ela aponta no livro “A máquina do ódio” (2020), seu inferno é o mesmo vivido por outros tantos profissionais que têm seus dados pessoais divulgados e recebem todo tipo de ameaça à sua integridade física e moral, assim como a de suas famílias. Alvos preferenciais de comentários que ganham contornos misóginos, as jornalistas são atacadas por sua idade e aparência, com ofensas de teor sexual, incluindo memes pornográficos e até ameaças de estupro.

Formada em jornalismo pela USP e mestre em Business and Economic Reporting pela NYU, nos Estados Unidos, Patrícia há mais de 25 anos faz reportagens sobre relações internacionais, economia e direitos humanos. Nem mesmo a sólida carreira e os diversos prêmios – venceu o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa (2019) e, em julho, o prêmio Maria Moors Cabot de jornalismo – impediram que fosse atacada covardemente nas redes sociais.

Em 2018, Patrícia descobriu que, durante a campanha eleitoral, foram feitos disparos em massa via WhatsApp favorecendo o então candidato Jair Bolsonaro, ferindo assim a legislação brasileira. Quando, a poucos dias do segundo turno, a matéria foi publicada, ela passou a ser perseguida pelos defensores de Bolsonaro. Viu seu rosto estampado em uma série de memes, teve o celular hackeado e passou a receber diariamente mensagens com xingamentos e ameaças à sua segurança e à de seu filho – uma dinâmica que se tornou padrão. “Eu achava que nunca mais viveria algo tão avassalador quanto aquele primeiro linchamento virtual. Estava enganada. As coisas iam piorar, e muito.”


“De novo aquela sensação de soco no estômago.”

“Tinha acabado de acordar quando chegou mensagem de um dos meus chefes no grupo de WhatsApp do jornal. ‘Bolsonaro falou da Patrícia agora.’ Eram 7h44.

De novo aquela sensação de soco no estômago.

Só às 8h51 é que me mandaram a transcrição da fala do presidente: ‘O depoimento do Hans River, foi final de 2018 para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele. Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim’.

Eu só consegui responder no grupo: ‘Tô com vontade de sumir.’

E aí começou o massacre, a avalanche de xingamentos e memes obscenos.”

Trecho de “A máquina do ódio”, de Patrícia Campos Mello (Companhia das Letras, 2020).


PATRÍCIA CAMPOS MELLO LÊ E COMENTA “A MÁQUINA DO ÓDIO”

“Eu fui uma vítima, tem muitas outras vítimas aqui no Brasil.”

Desde 2018, a jornalista Patrícia Campos Mello vem sendo alvo de linchamento virtual quando publica reportagens investigativas sobre Bolsonaro na “Folha de S.Paulo”. Em vídeo para a Megafauna, a autora de “A máquina do ódio” lê um trecho do seu livro e comenta como esses ataques, em sua maioria direcionados a profissionais mulheres, fazem parte da estratégia de comunicação de líderes autoritários ao redor do mundo.


BIANCA SANTANA COMENTA A ACUSAÇÃO DE BOLSONARO CONTRA ELA

“Traz não só uma ameaça pessoal, em um momento em que a tensão social cresce, como também uma ameaça ao campo. Inibe que outras mulheres façam perguntas necessárias. Inibe o debate, inibe a informação, inibe o jornalismo.”

No dia 28 de maio, a escritora e jornalista Bianca Santana tornou-se mais uma vítima das ofensas de Jair Bolsonaro. Em sua live semanal, o presidente da República a acusou de divulgar “fake news” contra ele, como conta Bianca em seu depoimento para a Megafauna sobre o episódio. Cerca de uma semana depois, Bianca, assim como Patrícia Campos Mello e outras jornalistas, passou a receber ofensas e ameaças das milícias digitais. Também como Patrícia, entrou com ação judicial contra Bolsonaro por danos morais. Foi ainda escolhida por 19 organizações da sociedade civil para ser a face de uma ação coletiva contra o presidente por seus ataques a mulheres jornalistas, apresentada em vídeo na 44ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em julho, em Genebra. No dia 30 do mesmo mês, Bolsonaro fez um pedido de desculpas a Bianca e disse que se equivocara. Bianca, no entanto, decidiu seguir com a ação ação judicial para inibir que Bolsonaro continue a atacar repórteres, em especial as mulheres.

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Bianca Santana (@biancasantanadelua) é escritora, jornalista, ativista e pesquisadora. É doutora em ciência da informação pela USP, com uma tese sobre memória e escrita de mulheres negras. Em 2015, publicou o livro “Quando me descobri negra” e atualmente prepara uma biografia de Sueli Carneiro. Assina colunas na Cult, Gama e ECOA-UOL. Pela UNEafro Brasil, colaborou com a articulação da Coalizão Negra Por Direitos e compõe os conselhos dos institutos Procomum, Vladimir Herzog e Marielle Franco.


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