Grama

Grama

Keum Suk Gendry-Kim

INFERNO EM HQ: “MULHERES DE CONFORTO” E ESCRAVIDÃO SEXUAL

O rastro de destruição das grandes guerras se estende além das vítimas dos campos de batalha; civis também são levados a situações infernais. Em “Grama”, quadrinho sul-coreano (“manhwa”) recém-lançado no Brasil, Keum Suk Gendry-Kim lança luz sobre um dos episódios mais vergonhosos da Guerra Sino-Japonesa e da Segunda Guerra Mundial: o caso das “mulheres de conforto”. Esse eufemismo é ainda hoje adotado em documentos oficiais para se referir a cerca de 200 mil mulheres exploradas como escravas sexuais pelas tropas imperiais japonesas, de 1937 a 1945, em territórios ocupados pelo Japão. Atraídas por falsas promessas de emprego ou vítimas de tráfico humano, meninas e mulheres – em sua maioria, coreanas, mas também chinesas, filipinas, vietnamitas, entre outras nacionalidades – eram obrigadas a se prostituir nas chamadas “casas de conforto”, onde estavam sujeitas a todo tipo de violência sexual e psicológica. 

Gendry-Kim conta essa história a partir do caso real da sobrevivente coreana Ok-sun Lee, uma das poucas ainda vivas. Vendida por seus pais para trabalhar em um restaurante quando era criança – prática então comum entre famílias muito pobres –, Lee foi revendida até ser forçada à escravidão sexual. Hoje, com mais de 90 anos, é uma proeminente ativista na luta pela retratação do governo japonês. Desde 1992, protestos semanais em frente à Embaixada do Japão em Seul, capital da Coreia do Sul, não deixam que esse crime seja esquecido.

Keum Suk Gendry-Kim nasceu em 1971, na região de Jeolla, na Coreia do Sul, e estudou pintura na Universidade de Sejong e na École Supérieure Des Arts Décoratifs, em Estrasburgo, na França. Publicado originalmente em 2017, “Grama” é seu quadrinho mais celebrado. Ganhou edições em outros seis idiomas e concorre ao Prêmio Eisner 2020 em três categorias: “Melhor escritor/artista”, “Melhor obra baseada em fatos reais” e “Melhor edição americana de material asiático”.


“Muitas mulheres nascidas como filhas de famílias pobres foram sacrificadas durante a guerra causada pelo imperialismo japonês. Elas tiveram os seus direitos mais básicos roubados e foram forçadas a viver como escravas. A guerra acabou, mas ainda restam feridas, traumas e a indiferença dos outros.”

Keum Suk Gendry-Kim, no posfácio da edição brasileira de “Grama”, sua HQ sobre mulheres forçadas à escravidão sexual durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa e a Segunda Guerra Mundial. 

 


ING LEE COMENTA “GRAMA”

“A guerra, o colonialismo e o militarismo são questões muito fortes que trazem um imenso sofrimento ao povo como um todo, mas principalmente às classes já marginalizadas previamente. [..] Eu vejo ‘Grama’ como uma porta de entrada a um maior aprofundamento dessas narrativas que são constantemente invisibilizadas. Keum Suk consegue abordar isso com uma sensibilidade imensa e uma maestria incrível.”

A quadrinista coreano-brasileira Ing Lee analisa “Grama”, quadrinhos de Keum Suk Gendry-Kim sobre o trauma das “mulheres de conforto”. Ing fala sobre as comparações que têm sido feitas entre “Grama” e “Maus”, de Art Spiegelman, e “Persépolis”, de Marjane Satrapi, e destaca a importância da obra de Keum Suk: “É uma leitura densa e imperdível.”

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Ing Lee (@_inglee) é artista visual, pesquisadora, ilustradora e quadrinista.  No trabalho que desenvolve, investiga temas como memória, identidade e cultura do leste asiático. Filha de pai norte-coreano e de mãe brasileira, em 2019, lançou “Karaokê Box”, sua primeira HQ solo. No mesmo ano, fundou o selo independente O quiabo, por onde publicou “Que se exploda”, como parte da antologia “Cápsula”.


Ao redor do mundo, dezenas de estátuas chamam a atenção para a causa das “mulheres de conforto”. As mais conhecidas são as Estátuas da Paz, dos escultores sul-coreanos Kim Seo-kyung e Kim Eun-sung. Espalhadas por várias cidades, mostram uma jovem descalça que usa um ‘hanbok’ (veste tradicional coreana) sentada em uma cadeira. Segundo os artistas, ela representaria a espera pelo reconhecimento do seu sofrimento e por um pedido oficial de desculpas do governo japonês pela escravização sexual de cerca de 200 mil mulheres – a maioria coreana – durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa e a Segunda Guerra Mundial. A cadeira vazia ao seu lado simbolizaria a um só tempo a homenagem  às que já não estão vivas e um convite para quem quiser se unir à luta.

A primeira Estátua da Paz foi instalada em frente à Embaixada do Japão em Seul, em dezembro de 2011, por ocasião do milésimo “protesto da quarta-feira”, reunião semanal de ativistas e sobreviventes – há pouco mais de trinta ex-escravas sexuais vivas. Desde então, réplicas da Estátua da Paz e outras nela inspiradas foram inauguradas em diversas cidades sul-coreanas e em países como Alemanha, Canadá, Austrália e os Estados Unidos.

[Foto: Jayne Duncan/AP]


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