Se o mundo e o amor fossem jovens
Por Stephen Sexton
27 de novembro de 2024
Este trecho do livro Se o mundo e o amor fossem jovens foi gentilmente cedido pelo Círculo de Poemas para o Anuário 2023 da Megafauna. Se o mundo e o amor fossem jovens tem tradução de Ana Guadalupe.
Nota
No verão de 1998, quando eu tinha nove anos, minha mãe tirou uma foto minha jogando Super Mario World (1990) no pequeno quarto de hóspedes da nossa casa. Eu apareço de costas para a câmera. A televisão estava posicionada na diagonal num dos cantos do quarto, onde a parede encontrava a porta do quintal. À minha esquerda eu via o jardim, pelo qual passava um riacho, e, na direção das plantações, a mata fechada. À minha direita ficava o imenso bloco da televisão, que já tinha quinze ou dezesseis anos. Meus olhos iam de uma posição a outra. Por causa do flash da câmera e do brilho da tela da tv, é impossível saber qual das fases a seguir estou jogando.
O Super Nintendo é um console de 16-bits. Em poucas palavras, os 16 bits se referem à memória que o sistema consegue processar de uma só vez.
Yoshi’s Island 1
Aqui montanhas manchadas e nuvens aqui platôs inclinados de súbito
apontados
para plantas carnívoras e ouro sem sol pelo precioso subterrâneo
um cogumelo mata-moscas vai pulsando com plantas de fogo e dinossauros.
Nesses dias novos como o amanhã há um encanto a ser registrado:
os passos macios em outras terras todas as flores do jardim.
Minha mãe rebobina o filme de sua câmera uma luz repentina invade
o quarto:
um fluxo de fótons atrás de mim um vento favorável do mundo espectral.
Eu me lembro de mim mesmo sendo lembrado um pequeno lótus
um meditador de pernas cruzadas para quem as perguntas que pairam no ar
são para um eu do futuro dizer em voz alta daqui a décadas e voltar
inúmeras vezes a esse quarto e a esses momentos divisores de águas.
Vai ser uma aventura eu acho que vai ser uma aventura
o futuro tem a força de um canhão sim deve ter sido um sonho a voz dela
entra escondida em sonhos com coisas assim navios afundam na beira
do mundo.
Yellow Switch Palace
Na Montanha Kappa depois do grande lago ladeado de
flores amarelas
tesouros subterrâneos reluzem no palácio abandonado
nos celeiros e arsenais uma economia de perdas
e ganhos a pessoa que amo se foi mas a história sempre fica.
Se um Kappa saído do mito surgir todo escamas e garras afiadas
uma carapaça de crostas queratinosas a boca rígida de um polvo
e no alto da cabeça um ponto vulnerável a qualquer chute
se ele sair encharcado desse lago eu vou lhe oferecer bondade.
Vou lhe oferecer soba com shoyu vou oferecer meu nome
escrito num pepino flutuando no lago custe o que custar.
Top Secret Area
Venho tentando te contar o segredo das vidas infinitas:
ela planta rosas no jardim ela flui plácida em seu diário
ela planta rosas no jardim e lá o mar planta peixes no oceano
ela planta rosas no jardim ela deixa placas no caminho partindo
da estação
ela planta rosas no jardim e lá o mar planeja ardis no jargão
ela planta rosas no jardim e lá da água hidroplanos emergem
ela planta rosas no jardim e lá o mar parou próximo à enseada
ela planta rosas no jardim é a mágoa que canta no jardim
ela planta rosas no jardim ela aplana as ruínas da linguagem
ela planta rosas no jardim elãs se erguem em pedestais da adoração
Vanilla Ghost House
Os relógios das enfermeiras ficam de ponta-cabeça então dormimos de dia
feito morcegos
e choramos a noite toda no quarto privativo enquanto o fluxo constante
de morfina
nos obriga a estar ali pela metade. As enfermeiras fantasmagóricas
vêm e vão
numa casa velha atiçando a lareira tirando o pó da mobília rangendo
pelos corredores e chamando o nome daqueles cuja ausência as
mantém aqui
de camisola branca levando lamparinas erguidas junto aos seus
rostos brilhantes.
A luz da lua se infiltra de repente pela janela, rápida e prateada
como mercúrio
e nos diz que uma mão está quente demais e a outra parece uma faca.
Chocolate Fortress
Num dia bonito de junho a gente leva a dor para o hospital.
Através das portas automáticas pelo linóleo fosco
padres e desenhos de crianças os doentes e os idosos.
De algum ponto do céu paira Saturno planeta da melancolia
maléfico de bílis negra e tristeza. Com o estetoscópio pendurado
nos ombros largos feito um atleta com sua toalha Hipócrates
diz que por enquanto a dor tem que ficar aqui no pequeno quarto
sem flores.
Um sino não começa a dobrar uma cabra não começa a balir.
Na farmácia proibida ele se ocupa de sua tarefa mágica
de moer um chifre de rinoceronte para misturar com
rubis moídos.
Way Cool
Tentei fazer um monumento do botão de liga/desliga da televisão
cuja superfície que um dia fora preta tinha se desgastado e ficado prata
pelas centenas de dedos ao longo dos anos e o chiado da estática
um monumento à tela de vidro densa como osso ou talvez como a lua
ou a dose de aspidistra num vaso de cerâmica
sobre uma mesa estilo Queen Anne ou um bordado feito pela viúva
de Henry em Queensland em ouro e prata mostrando dois dançarinos
dançando à moda John Luke nunca jamais podeis beijar.
O relógio faz tique-taque a galope na caverna de azulejos do corredor
o pôr do sol se atrai pelo vidro meio manchado meio fosco da
porta principal.
Há muitos dias em que penso vê-la passando pela janela
ou atravessando uma ponte ou andando na minha frente no bairro
mas este é o universo errado dentre todos os universos.