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O princípio revolucionário de Ockham

Por Flavia Natércia

25 de junho de 2023
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Johnjoe McFadden, professor de genética molecular da Universidade de Surrey, no Reino Unido, é também divulgador científico. Em seu livro A navalha de Ockham: o princípio filosófico que libertou a ciência e ajudou a explicar o Universo (Sextante, 2022), ele aborda a vida e a obra do frade franciscano Guilherme de Ockham, figura fundamental para a ciência se libertar de suas “amarras teológicas” e se desenvolver como campo apartado do conhecimento humano, atingindo sua forma moderna. Além disso, as ideias de Ockham se mostraram cruciais para firmar a simplicidade como critério de distinção das boas explicações sobre qualquer fenômeno tanto na Terra quanto no Universo.

Para ele, que nasceu por volta de 1288 em Ockham, um vilarejo em Surrey, na Inglaterra, a onipotência de Deus torna-o incognoscível. Sua existência só pode ser alcançada pela fé e pelas Escrituras, e não pela razão. Por isso, ciência e teologia são esferas distintas e incompatíveis da inquirição humana. E a ciência, baseada em observações e experimentação, só produz probabilidades no lugar de provas. Segundo McFadden, Ockham “abriu uma terceira via entre religião e ateísmo. Permitia aos cientistas buscar uma ciência secular e, ao mesmo tempo, manter-se devotos”. Todos os grandes cientistas que viveram do século XIV até o século XIX eram cristãos devotos que optaram pela terceira via proposta por Ockham. Kepler, por exemplo, acreditava que Deus tinha escrito as leis que ele descobriu. Já Newton via na harmonia do Universo uma manifestação de um plano divino.

Como McFadden explica na introdução, o livro “não é tanto sobre a história da ciência, e sim um relato e uma exploração das melhores ideias, dentro e fora da ciência, inspiradas pela navalha de Ockham”. Para ele, o valor desse princípio ainda é pouco apreciado, por isso o autor põe em evidência “ideias e inovações fundamentais que exemplificam sua importância e ilustram seu uso”. A busca da simplicidade não era uma ideia nova no tempo do frade, pois até mesmo Aristóteles já havia dito que a natureza não faz nada em vão. No entanto, “a aplicação implacável desse princípio” pelo frade franciscano “para desmantelar boa parte da filosofia medieval tornou-se tão notória que, três séculos depois de sua morte, o teólogo francês Libert Froidmont cunhou o termo ‘navalha de Ockham’”, referindo-se à preferência de Ockham por eliminar qualquer “excesso de complexidade”.

Isso significa que “entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade”, o que se aplica a hipóteses, explicações ou modelos de qualquer sistema, mas Ockham não formulou seu pensamento nesses termos. Ele expressava sua preferência pela parcimônia afirmando que “a pluralidade não deve ser postulada sem necessidade” ou “é inútil fazer com mais aquilo que pode ser feito com menos”. Guiado por essa premissa, Ockham reduziu as dez categorias de universais de Aristóteles, como a vermelhidão da maçã, a circularidade da cereja ou a paternidade de um homem, a duas: substância e qualidade. Com isso, ele minou a “prova” que Tomás de Aquino estabeleceu para a transubstanciação na Eucaristia – a transformação do pão e do vinho na carne e no sangue de Jesus Cristo – e que era baseada no universal da quantidade. Por ideias como essa, Ockham acabou sendo acusado de heresia e foi convocado para enfrentar um julgamento perante o Papa João XXII (que o frade, por sua vez, acusou de herético por se desviar da doutrina da pobreza absoluta de Jesus Cristo, pregada por São Francisco de Assis) em Avignon, de onde se viu obrigado a fugir em 26 de maio de 1328.

Seguindo o rastro deixado pela navalha de Ockham, McFadden chega a diversos grandes expoentes da ciência, como Galileu Galilei (1564-1642), Johannes Kepler (1571-1630), Robert Boyle (1627-91), Isaac Newton (1643-1727), Charles Darwin (1809-82) e Albert Einstein (1879-1955). Todos eles preferiram soluções mais simples para os problemas científicos vigentes em suas épocas e propuseram leis e teorias que tornaram o mundo mais inteligível e mais previsível, dispensando a intervenção de entidades sobrenaturais que explicassem suas observações e seus experimentos. Dessa forma, produziram obras que figuram entre as mais importantes da história da ciência.

Como afirma McFadden: “Essa jornada me convenceu de que a simplicidade não é apenas uma ferramenta da ciência, ao lado da experimentação; está para a ciência assim como os números estão para a matemática e as notas para a música. De fato, em última análise, creio que a simplicidade é o que separa a ciência da miríade de outras formas de dar sentido ao mundo”. Ele faz uma defesa convincente de sua visão, capaz de levar os leitores a admirar ainda mais as descobertas e as invenções que os cientistas fizeram ao longo da história e a reconhecer a relevância do papel de Ockham e sua navalha nessa jornada.

© Ricardo Lima

Flavia Natércia (1973-2023) era jornalista especializada na cobertura de ciências e tecnologia, e divulgadora científica. Formada em Ciências Biológicas e mestre em Ecologia pela Unicamp e doutora em Processos Comunicacionais pela Umesp, fez especialização em Jornalismo Científico e pós-doutorado em Percepção Pública da Ciência e Divulgação Científica no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp. Também era formada em Letras (Português/Italiano) pela UFRJ.

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